Equação "arqueológica" de Drake

Dois pesquisadores dos Estados Unidos publicam, numa edição recente do periódico Astrobiology, uma nova versão da Equação de Drake -- que eles chamam de versão "arqueológica" -- cujo cálculo produz a estimativa de que, se a chance de um planeta abrigar vida inteligente for maior do que o número estupidamente pequeno de 10-24,então nós, primatas terrestres, não somos a primeira e única civilização a emergir no Universo.

A Equação de Drake original, elaborada em 1961 por Frank Drake, multiplica uma série de fatores -- como a taxa de formação de estrelas no Universo, a proporção dessas estrelas que contém planetas, a proporção de planetas que são habitáveis, a proporção de planetas habitáveis que contém vida, etc., etc, para gerar uma estimativa do número de outras civilizações presentes no cosmo.

Como a preocupação principal de Drake era a SETI -- busca por inteligências extraterrestres -- sua equação incluía ainda um fator que tentava levar em conta a durabilidade de uma civilização: afinal, não dá para entabular conversa com um povo que se autodestruiu (via holocausto nuclear ou aquecimento global, digamos).

Em seu paper, os autores Adam Frank e Woodruff Sullivan notam que, primeiro, muitos dos fatores que, na época de Drake, eram altamente especulativos e precisavam ter seus valores chutados -- taxa de estrelas com planetas, taxa de planetas em zona habitável -- hoje em dia podem ser fixados numa precisão maior: com cerca de 2000 planetas descobertos desde 1988, hoje essas estimativas foram promovidas da categoria de "chute desesperado" para a de "chute calculado". Frank e Sullivan fixam essas proporções em aproximadamente 1 (ou seja, praticamente um planeta por estrela) e 0,2 (20% dos planetas em zona habitável). Para quem acha exagerada a estimativa de haver tantos planetas quanto estrelas no Universo, os autores se respaldam com um trabalho publicado na Nature.

Em segundo lugar, eles propõem uma versão da equação que seja independente do fator tempo, trocando a taxa de formação de estrelas pelo número total de estrelas no Universo observável (2x1022) e eliminando o fator de durabilidade das civilizações. O resultado é a tal "equação arqueológica": o número, não de civilizações contemporâneas à nossa, mas de civilizações na totalidade do espaço-tempo observável.

Se esse número for ajustado para 1 -- uma única civilização (a nossa) em toda a história do Universo -- então a chance de outros planetas habitáveis desenvolverem vida inteligente tem de ser menor que 2,5x10-24. E esse número é pequeno? Muito. A chance de acertar a Mega-Sena, por exemplo, é da ordem de 2x10-8.

Os autores chamam o valor calculado de "limite do pessimismo" quanto à existência de outras civilizações no cosmo. Eles então recalculam esse "limite" para volumes de espaço menores que a totalidade do Universo observável, chegando ao número de 1,7x10-11 para a Via -Láctea. Sobre isso, escrevem: "O significado é que outra espécie tecnológica provavelmente ocorreu na história da Via-Láctea se a probabilidade de uma espécie tecnológica emergir num dado planeta de uma zona habitável for maior que uma em 60 bilhões" (grifo no original).

O que isso tudo quer dizer? Na prática, para além do exercício imaginativo, muito pouco: a "Equação Arqueológica de Drake", por mais que busque fixar alguns dos termos da "velha" equação que dependiam de intuições subjetivas, acaba introduzindo uma nova intuição subjetiva que precisa ser chutada ao gosto do freguês: a da probabilidade de emergência de civilizações tecnológicas em planetas habitáveis. Há algum motivo concreto para imaginar que, na Via-Láctea, ela seja menor, ou maior, que o "limite do pessimismo" de 1,7x10-11? Isto é "apenas" mil vezes mais difícil do que ganhar na Mega-Sena, mas e daí?

E não estou dizendo que exercícios imaginativos sejam inúteis. Não escreveria ficção científica se fossem -- e a ideia de artefatos arqueológicos alienígenas boiando pelo espaço (ou enterrados nas areias de outros mundos) é uma das que mais me fascina (ganhei meu primeiro Prêmio Argos com um conto a respeito disso, aliás).

Além disso, esse exercício põe uma questão curiosa em foco, a do papel da inteligência tecnológica na evolução da vida. Há uma ideia ingênua de que a inteligência do tipo humano seria uma espécie de "ponto de chegada" da evolução, mas não há nenhum motivo para se supor isso. Se a biosfera terrestre servir de exemplo, a evolução de olhos, asas e nadadeiras é muito mais comum, e sob diversos aspectos muito mais útil, que a de cérebros capazes projetar naves espaciais.

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