Horóscopo "tucano" versus horóscopo "real"

O lide -- para quem não fala jornalistês, o parágrafo inicial, que resume a informação mais importante do texto -- da coluna de horóscopo da Folha de S. Paulo da última quarta-feira está causando algum furor nas redes sociais, Parece que tem gente achando que até mesmo os vaticínios dos astros vêm sendo manipulados pela mídia perversa tucana whatever. Eis o lide da discórdia (apud Carta Capital):


Por mais que seja alentador ver as pessoas lançando um olhar crítico para a astrologia (assunto de que já tratei, por exemplo, aqui, aqui e aqui), desta vez vejo-me compelido a sair em defesa da colunista da Folha. Não creio que ela tenha feito seu lide com vistas a algum tipo de efeito midiático subliminar (algo de que já tratei aqui, aliás), mas sim, simplesmente, que tenha praticado astrologia bona fide -- ou, ao menos, tão "bona fide" quando possível, nesse campo. Vamos analisar as três linhas fatais em detalhe:

1. Trata-se de uma previsão óbvia.

Vamos lá, gente. Com a Copa chegando -- e, com ela, a frustração cada vez mais estridente com o "legado" do torneio --, é aposta fácil dizer que, nos próximos dias, "as oposições" (note o plural, ele é importante) ao governo deverão parecer mais fortes.

2. Trata-se de uma previsão vaga.

O lide diz "as oposições". Isso pode querer dizer desde uma alta do Aécio e da Marina (desculpe, Eduardo Campos) nas pesquisas a um incremento na circulação de mensagens anti-Dilma nas redes sociais, passando por manifestações contra a Copa ou passeatas de funcionários públicos federais, ou mesmo uma elevação do mau humor difuso contra o governo. Pode até ser uma rebelião dos deputados do PMDB. "Sinaliza fortalecimento" também significa bem menos do que parece: você pode ficar mais forte hoje do que era ontem e, ainda assim, continuar mais fraco que seu adversário.

3. Trata-se de uma previsão infalível e também reversível.

Esse "nos próximos dias", ao fim do lide, é coisa de gênio. Ao mesmo tempo em que é vago -- quantos dias, afinal, são "os próximos?" -- ele também dá à previsão um prazo de validade, ainda que indefinido. Se "as oposições" vierem a se enfraquecer, digamos, a partir de junho ou julho, se Dilma for reeleita, ora bolas, o lide só havia se referido, afinal, a um período limitado de tempo. Logo, a previsão não é invalidada. Por outro lado, qualquer dissabor pontual que o governo venha a sofrer, entre agora e outubro, serve para confirmá-la. Isso é astrologia básica: se der cara, o astrólogo está certo; se der coroa, ele não está errado.

Finalmente...

Resumindo, a previsão do horóscopo da FSP de quarta-feira não é nada especial, até onde previsões astrológicas -- e qualquer outro tipo de previsão esotérica, na verdade -- vão: parte de uma intuição plausível, tirada a partir de um dado da realidade (o governo vive um mau momento de relações públicas),  e vem embalada em um aparato retórico que a torna invulnerável a qualquer tipo de interpretação objetiva ou refutação.

Um dos segredos dos profetas bem-sucedidos é sempre parecer dizer mais do que realmente se diz. Tanto quem ficou indignado com a "tucanada" do horóscopo quanto quem se comprouve com ela (imagino que a previsão tenha agradado a alguém) caiu nessa, mas o que o lide realmente diz é "o governo terá dificuldades em algum momento e uma hora dessas pode parar de tê-las". O que, convenhamos, é mais fácil de prever -- e não importa de qual governo se está falando -- do que a volta do Cometa Halley.

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