Em busca do Robin Hood histórico

É semana santa e eu ia escrever algo mais temático, talvez sobre o livro Beyond the Quest for the Historical Jesusem que o monge dominicano (!) Thomas Brodie argumenta que os Evangelhos são peças de ficção, mas aí pensei: ora bolas, existem vários outros casos em que história e ficção se confundem, e alguns deles envolvem até personagens mais coloridos e interessantes.

Então, à guisa de ovo de páscoa deste blog, deixo-os excepcionalmente, neste fim de semana, na companhia do alegre bandoleiro de Sherwood.

Interpretado no cinema por atores tão diferentes como Errol Flynn, Kevin Costner e Russell Crowe; matriz mitológica que ajudou a estruturar as lendas de gente como Billy the Kid, Jesse James e, até mesmo, Che Guevara; nobre desterrado ou camponês levado ao desespero, líder rebelde ou bandoleiro -- afinal, quem foi Robin Hood?

Em seu tratado clássico sobre o tema (intitulado, exatamente, Robin Hood), o medievalista britânico Sir James C. Holt explica que praticamente tudo o que se sabe a respeito de Robin vem de um punhado de poemas medievais inter-relacionados e de fragmentos de um antiga peça de teatro. O que poderia ser chamado de "texto crítico" do poema, a Gesta de Robin Hood, deriva da combinação de duas edições, impressas entre 1492 e 1534. Outros fragmentos parecem conter adições, correções ou versões alternativas da Gesta, e é provável que todas tenham brotado a partir de um mesmo poema original, composto no fim do século 14 ou início do 15.

O autor do poema é desconhecido, mas é improvável que tenha sido ele o primeiro a escrever -- ou a cantar -- sobre Robin Hood. Um texto de 1377 contém um personagem (chamado Preguiça) que, a certa altura, confessa que "não sei meu pai-nosso (...) mas sei as rimas de Robin Hood".

Em seu trabalho de detetive-historiador, Holt determina que, já por volta de 1260, o termo "robehod" era usado em referência a bandoleiros fora-da-lei, mais ou menos como "judas" é usado em referência a traidores.

Recuando ainda mais no tempo, ele encontra um Robert Hod, declarado fugitivo da justiça -- fora-da-lei -- em 1225. Infelizmente, outros detalhes sobre sua vida, incluindo o que o teria levado ao tribunal, e o motivo da fuga, não sobreviveram nos registros. Um estudioso do século 18, Thomas Gale, anotou uma suposta inscrição da lápide de Robin Hood que dava como data da morte 1247. Holt cita ainda um historiador do século 16 que acreditava que Robin Hood havia cometido seus crimes em 1193. "Se arrumarmos esses itens cronologicamente", escreve Holt, "temos um vago esboço de biografia: Robin ativo na década de 1190, declarado fora-da-lei em 1225, morto em 1247", intervalo que "combina com os 22 anos na floresta" mencionados na Gesta.

Essa cronologia também encompassa o período geralmente considerado para os eventos da lenda; o rei Ricardo Coração de Leão morreu em 1199, e seu irmão João Sem-Terra lançou-se em  suas maquinações para assumir o poder enquanto o irmão estava fora, na Terceira Cruzada (1189-1192), a partir de 1190.

Holt nota, porém, que mesmo se o fora-da-lei Robert Hod de 1225 for de fato o originador da lenda -- o homem cujo caso fez da palavra "robehod" sinônimo de bandoleiro -- a verdade é que não sabemos nada a respeito dele, exceto que era um homem do campo, provavelmente um arrendatário trabalhando em terras da igreja. De sua suposta morte em 1247 ao surgimento das edições impressas da Gesta, duzentos anos mais tarde, o que temos são menestréis, construindo e reconstruindo a lenda para agradar ao público.

Se cantada na corte, a lenda falava de um nobre injustamente desterrado; se em meio ao povo, de um homem do povo que se levanta contra a tirania. Feitos e características de bandoleiros e rebeldes conhecidos, como Hereward o Exilado, que lutou na resistência dos saxões ao domínio normando na Inglaterra; Eustace o Monge, mercenário declarado fora-da-lei por João Sem-Terra; e Fulk fitz Warin, nobre banido pelo mesmo rei João, foram logo recrutados para enriquecer o veio de aventuras de Robin Hood.

O nome de um dos personagens associados ao bando de Robin, Frei Tuck, é citado em documentos legais
de 1417 como um bandoleiro, líder de uma quadrilha de  assaltantes e assassinos, culpado de caçar sem licença nas florestas do rei e de atear fogo às choupanas dos guardas-caça.

Em meio a isso tudo, o homem real no centro do mito simplesmente deixa de existir. A história "típica" de Robin Hood, de acordo com Holt, fala de um bandoleiro que assalta pessoas na estrada que corta sua floresta. A primeira vítima a passar é uma pessoa pobre, que está endividada, mas que põe o pouco que tem à disposição de Robin. Ele, em vez de roubá-la, dá-lhe uma refeição, o dinheiro de que precisa par apagar a dívida, e manda-a embora. Mais tarde passa, pela mesma floresta, o credor da primeira vítima. Robin assalta-o e toma, de volta, o dinheiro que dera ao devedor, mais um bom lucro. A esse núcleo acrescem-se episódios como o do concurso de arco-e-flecha; a fuga, sob disfarce, do calabouço do xerife; o amor de Lady Marian, e outros.

Teria, ao menos, esse núcleo típico alguma base em fatos reais? Difícil, talvez impossível, dizer. Para além das narrativas, Robin Hood plasmou-se também no folclore, tornando-se, por algum tempo, personagem dos Ritos de Maio, uma celebração da primavera de raízes pagãs. A associação com Lady Marian provavelmente vem dessas festas.

Para um herói muitas vezes ligado à imagem de um povo oprimido, não deixa de ser curiosa a coincidência de o "May Day" pagão ter, em boa parte do mundo, virado o Dia do Trabalho, 1º de Maio.

Comentários

  1. É, de certa forma tem a ver com jesus, pois é tambem uma historia sem muitos indícios de comprovação

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    1. De pleno acordo. O Carlos escolheu uma bela metáfora de páscoa, hehehe

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  2. Rei Arthur é outro que merece uma investigação mais profunda para separar fatos e ficção.

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